08/03/2009

Cabra Marcado Pra Escrever

Bairrista anti-bairrismo - Candrel de Moraes, um pernambucano entre gaúchos no Tauico


O Sport Club do Recife está na Libertadores da América. O Sport, como
chamamos, é um dos 3 times de futebol chamados grandes de Pernambuco, e
a Libertatores é chamada de a maior competição de clubes de futebol das
Américas. Ser um grande time em Pernambuco, não é ser um grande time em
São Paulo ou no Rio de Janeiro, ou mesmo na região Sul do país ou em
Minas Gerais. Assim como ser um grande time no Brasil não é ser um
grande time na Europa.

Todas essas diferenças não se explicam pela intensidade do amor dos
torcedores pelo seu time. Amor mais intenso = time maior? Nada disso.
Também não é a habilidade dos que vestem profissionalmente a camisa de
um time que o faz grande. De fato, é o inverso disso: sendo um time
grande, grandes jogadores vestem sua camisa. Pelo mesmo amor que os
torcedores tem pelo time? Vou falar o óbvio: o sucesso de um time de
futebol depende de uma boa quantidade de dinheiro sendo bem
administrado. Só. Claro que administração tem a ver com marketing
também. Isso deve ser absurdamente óbvio, mas as pessoas não se
comportam como se fosse óbvio. A verdade é que não importa o quanto você
sofre pelo seu time pois não é isso que vai fazê-lo grande.
Houve um tempo em que Pernambuco era chamado de Leão do Norte pelo
poder, prestígio e influência que tinha no início do Brasil. Algum tempo
depois de invadirem essas terras, a tomarem na mão grande dos habitantes
anteriores e chamarem-na de Brasil, o local onde hoje está Pernambuco
era muito bem administrado. Tinha a Cana-de Açúcar e tudo mais, mas o
que importou mesmo foi a administração dos recursos.
Já devem ter ouvido falar de Gilberto Freire. Não? Gilberto Freire foi
um celebradíssimo sociólogo pernambucano, que escreveu "Casa Grande &
Senzala". Na opinião dele o pernambucano se ressente por seu estado já
ter tido uma importância bem maior do que tem hoje. Senão vejamos:

* O carnaval de Pernambuco rivaliza com o da Bahia.
* O pernambucanos ressentem-se pelo turismo do Ceará ser mais bem
administrado do que o de seu estado.
* Nas tradicionais festas juninas rivalizam com a Paraíba - eles têm em
Campina Grande "O Maior São João do Mundo" , nós temos em Caruaru "A
Capital do Forró".
* Além disso as dunas de Natal (RN) não são páreas para as piscinas
naturais de Porto de Galinhas, dizem os pernambucanos.

O povo pernambucano é, regra geral, como todo brasileiro, bastante
hospitaleiro, mas me pergunto se somos bons vizinhos com essa mania de
competição, esse ressentimento de que falou Gilberto Freire.
Foi no ano passado que o Sport Club do Recife, um time pernambucano,
venceu uma competição nacional, a Copa do Brasil, e por direito
adquirido, por mérito, disputa a mais importante competição das
Américas. O pernambucano comum esquece que o Sport está lá por uma boa
administração de recursos, por mérito, e não por nascimento. Não é assim
que qualquer torcedor de futebol age? Pois é meio assim pernambucano é
com suas coisas.

Dia desses estava assistindo a tv com minha namorada e uma torcida do
Rio Grande do Sul bradava o côro "Ah, eu sou gaúcho!!!!". A reação da
namorada: "Humpf, e daí?". Mas aquilo fazia enorme sentido pra mim.
Assim como Pernambuco, o Rio Grande do Sul tem uma história de
levantes libertários. Se Pernambuco "tem que ser" o melhor do Nordeste,
a sua região, por sua tradição histórica, vez ou outra algum movimento
gaúcho se pergunta "não estaríamos melhor por conta própria?".
Vendo de fora, ao menos os gaúchos vão levando a vida buscando seu
espaço por mérito, e tem o padrão Globo de qualidade de imagem
(plim-plim). Eu, Candrel de Moraes, pernambucano de Recife, 34 anos, me
pergunto se nós aqui do meu estado não nos acomodamos achando que temos
algum direito especial por nascimento. Como o nosso time, o Sport, que
está na Libertadores, e alguns acham que o lugar dele sempre foi no topo
das Américas.
Tal qual Dom Quixote, pernambucanos lutadores enfrentam moinhos de
vento, como cavaleiros que se veem vestidos de armadura enfrentando
gigantes. Vou acreditando que a pena é mais forte que a espada e,
escritor quixotesco que sou, acreditando que cada linha minha tem enorme
importância. Talvez eu nem seja esse cavaleiro de armadura reluzente das
letras, enfrentando gigantes imaginários e errando os inimigos reais.
Mas, façam o favor de me dar um desconto, que eu nasci pernambucano.


Candrel de Moraes

3 comentários:

Adriana Grvot disse...

Meu amigo, adorei! E gostei muito da alusão aos levantes libertários, tanto dos pernambucanos quanto aos doa gaúchos. Aí dá um desconto também eu sou gaúcha. Fico muito feliz por ler teus trabalhos.
Bjs

Thathy Vilella disse...

Olá, Colunista!!Tô mesmo muito feliz - e orgulhosa - por essa nova fase da sua vida. Parabéns pelo texto!!! Muito boas - como sempre, aliás - as referências históricas que vc faz. Algo pra fazer pensar e repensar conceitos. E ñ é opinião de "namorada coruja" ñ (rsrsrs); é só a constatação de quem acredita no seu talento. E ñ posso deixar de registrar: fiquei impressionada com o seu conhecimento sobre o mundo do futebol!!! E "bairrismos" à parte: ME ORGULHO DE SER PERNAMBUCANA!!! E acho que todos deveriam se orgulhar tb.

Anônimo disse...

Não sei se a palavra certa seria ressentimento, mas mania de competição. Pernambucano quer ser melhor em tudo. E somos! (Peraí! Dá um desconto sou pernambucana). O mérito nós temos, falta boa administração de recursos.
Bem que você poderia ter começado o texto falando do Náutico, né? Como sou PERNAMBUCANA, ALVIRRUBRA e sua FÃ de carteirinha não poderia deixar de dizer TU ÉS ARRETADO MESMO! NÈ!? Rsrsrsrs... Parabéns, o texto ta ótimo!