19/04/2009

Cabra Marcado Pra Escrever

Fé no Futuro da Cultura Brasileira - Teremos Público


A quem possa interessar: a principal música da trilha sonora da
mini-série "Capitu", produzida e apresentada pela rede Globo no ano
passado, chama-se "Elephant Gun", de um grupo de que nunca tinha ouvido
falar chamado Beirut.

Gostei muito da mini-série, amei a música - de quem seria? - e fiquei
feliz de finalmente ver o clip dela essa semana na MTV. Para quem
acompanhou a mini-série, que tinha por título o nome de um dos
principais personagens do livro "Dom Casmurro" de Machado de Assis, era
aquela música que tocava em todos os capítulos, e tem uns metais, uns
trumpetes, eu acho.

A mini-série foi uma homenagem da Globo pelo centenário da morte do
dito maior escritor brasileiro - Machado de Assis. Talvez seja o maior
mesmo, se não for já é de tanto dizerem que é. Ou você pode preferir
outro qualquer, e pra você esse outro é o maior. O alagoano Graciliano
Ramos nasceu no ano da morte de Machado, e escreveu "Vidas Secas", que
durante minha adolescência dizia ter sido o melhor livro que havia lido
em minha (ainda curta) vida. Hoje ainda posso dizer que foi um dos
livros que mais me impactou, deixando uma admiração duradoura, mas pela
estética mesmo.

Na época da apresentação da mini-série "Capitu", peguei um ônibus indo
para o trabalho, em que sentaram próximos a mim 3 adolescentes -1 rapaz
e 2 moças - que pareciam encantados com a estética da mini-série
"Capitu". Discutiam o figurino, cenário, trilha sonora, comparavam com
filmes que haviam visto, e comentavam o livro.

Quase me enxeri na conversa quando ela desembocou na quase inevitável
polêmica sem solução: havia Capitu traído ou não Bentinho com seu amigo
Escobar? Eu não me atrevo a opinar, e acredito que nem Machado tinha
solução para isso, não devia ser a intenção dele que houvesse solução.

Mas aí o garoto defendia ter solucionado o mistério pois o filho de
Capitu era a cara de Escobar. Não percebia ele que estava tirando
conclusões por interferência da mini-série, onde escalaram atores
parecidíssimos para interpretar Escobar e o filho de Capitu. Na
indefectível obra do nosso mestre Machado de Assis, a única pessoa que
opina sobre essa semelhança é Bentinho, que narra a história, sem em
momento algum trazer ao leitor a declaração de qualquer outra pessoa que
concorde com ele. Assim, por mais que Bentinho assegure que a semelhança
entre seu amigo falecido e aquele que deveria ser seu filho com seu amor
de infância Capitu fosse impressionante, sendo uma prova da traição de
sua mulher, apenas a visão de Bentinho, construído por Machado como um
personagem ciumento, nos diz isso. A mini-série da Globo, quando nos
mostra o filho de Capitu, nos dá a mesma visão de Bentinho, o que
forçosamente solucionaria a dúvida eterna posta por Machado. Não nos
deixemos enganar, a mini-série não é o livro.

Tudo isso apenas para dizer que fiquei feliz de saber quem interpreta
aquela canção recorrente na mini-série que grudou na minha mente
igualzinho à dúvida de Betinho - "Elephant Gun", da banda Beirut - mas
também para falar da minha felicidade de ver garotos de no máximo 17
anos, se deliciando com as obras do imortal Machado. O mau gosto é uma
epidemia, mas tem gente que é imune, e aqueles 3 companheiros de viagem
naquele dia, renovam minha fé nas novas gerações.


Candrel de Moraes

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