28/06/2009

Cabra Marcado Pra Escrever

Onde Começa e Recomeça o Mundo


Duas canções, entre as tantas eternizadas por Luiz Gonzaga, o saudoso
rei do baião, talvez sejam as que mais tocam os nordestinos que deixaram
suas terras em busca de melhores condições de vida e vivem saudosos onde
quer que estejam: "Asa Branca" e "O Último Pau-de-arara".
Pau-de-Arara, se alguém não sabe, é como são chamados os caminhões que
ainda são usados para transportar clandestinamente os que fogem da seca
do sertão, segurando-se nas grades de madeira da carroceria ou em
armações feitas para esse fim, sendo assim comparados a araras
empoleiradas.

As canções "Asa Branca" e "O Último Pau-de-arara" tocam fundo
principalmente na alma do sertanejo, mas também falam ao nordestino
urbano, que se comove e também se identifica, na sua dura lida diária.

Se "Asa Branca" fala de quem já foi e tem esperança de voltar quando
o verde dos olhos da amada que deixou se espalhar na paisagem, "O Último
Pau-de-arara" fala de quem teima em ficar enquanto a sua vaquinha "tiver
o couro e osso e aguentar com o chocalho pendurado no pescoço".

Mesmo sem estar fugindo da fome ou da seca, ainda hoje muita gente
migra para os centros urbanos almejando voos mais altos. O nordestino do
interior vai para a capital, e o da capital vai para Sudeste, o "Sul
Maravilha". Aqueles que mais trazem alegria ao povo, os atletas e os
artistas também migram quando o talento já não cabe mais nas fronteiras
delimitadas pelo coração. Quando a gente já não cabe nessas fronteiras,
carrega-se no próprio coração um mundão inteiro enraizado nele.

Como todos devem recordar, Herbert Vianna, vocalista, guitarrista e
principal compositor da banda Os Paralamas do Sucesso, sofreu há alguns
anos um acidente que lhe levou a esposa, os movimentos das pernas e
quase lhe levou a vida. Herbert, que passou parte da sua juventude no
Distrito Federal, e hoje está radicado no Rio de Janeiro, escolheu para
seu retorno aos palcos, após um duro período de recuperação, iniciar a
turnê pela cidade onde nasceu, João Pessoa, na Paraíba.

O cantor e compositor Lenine, outro nordestino radicado no Rio de
Janeiro, esse de Pernambuco, foi indagado em uma entrevista sobre os
motivos de ele viver no Rio de Janeiro e não em Recife. "Recife é minha
mãe, o Rio é minha mulher. Eu amo muito minha mãe, mas não vou deixar
minha mulher pra morar com minha mãe".

Pode-se viver fora com esperança de um dia voltar, como em "Asa
Branca" ou teimar nunca largar a barra da saia da mãe, como em "O
Último Pau-de-arara" , mas não é só assim que se ama sua terra. É saber
onde se recomeça a jornada, como Herbert em sua João Pessoa. É estar
feliz com a cidade que escolheu e ainda amar com todas as forças o
ventre de Recife que lhe pariu. É como o verso do artista pernambucano
Cícero Dias que está gravado no Marco Zero no porto da cidade de Recife:
"Eu vi o mundo, ele começa em Recife".


Candrel de Moraes

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